foto de Alessandra Haro

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

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Namorar é como ler um livro. Acredito. Começo pela escolha: Vou até a livraria e dou uma olhada nas opções. Têm aqueles top´s, os dez mais do mês: Capa dura, alguns nem brasileiros são, são europeus, americanos, russos, japoneses, alguns ainda sem tradução, outros já até saíram em revistas. Bom, confiro a lista, verifico o preço... Está caro... Em Alta. Tudo bem, a vontade é grande, mas vou aguardar sair da moda, ou então esperar aquele amigo antenado ler, e depois me contar se valia a pena. Se valia... Bom, agüentar as conseqüências, quem sabe em um futuro próximo. Agora é a hora de dar uma conferida nos pocket´s, Hum... Alguns títulos antigos, outros profundos demais, outro rasos demais, no meio da bagunça da prateleira, vez ou outra, encontra-se perdido um autor do qual eu já ouvi falar, e me interessei. Deixo ali, guardado, quase escondido, atrás do “Inimigo do povo” de Ibsen. Mais uma volta cultural pelo espaço, a procura de gêneros interessantes, algo que me chame à atenção: Um romance; Uma ficção; Um épico; ou quem sabe até um charmoso livro de poesias. Opa... Uma repaginada no visual daquele livro que eu já li, ou ainda encontro o autor que tanto gosto, que já li muito em outras épocas, mas que quase esqueci, trazendo nesta nova edição uma fase nova da sua prosa. Às vezes tenho essa sorte. Mas pretendo ser categórico, encontrar aquele livro exato, aquele que vai mudar minha vida, ou meu ano, ou pelo menos me distrair nessas férias de verão. Dou de cara com um livro brilhante, enorme, sendo retirado da caixa: “Guinnes Book”. Bom... Esse é daqueles livros pra você dar uma folheada ali mesmo, e perceber como tem gente estranha nesse mundo. Mas só. Poucos aqueles que acabam levando pra casa, geralmente os mais excêntricos. No subsolo alguns títulos podem revelar surpresas. É lá que se escondem os técnicos, pra quem curte uma pesquisa mais aprofundada, quem sabe uma solução pra sua vida profissional, tem os filosóficos que ajudam a restaurar o intelecto, os astrológicos que elevam a alma, e tem até os de reeducação alimentar pra quem acredita estar acima do peso. Não. Ainda não é nada disso. Dou uma pequena paquerada naquele livro grosso de física quântica, mas me lembro que o ultimo livro que eu li já tinha sido complicado demais. Quem sabe quando eu estiver mais maduro eu encaro esse. Títulos coloridos, quase infantis, dançando perto da pilastra, umas tirinhas com tiradas ótimas, e os gibis de super-heróis, mas já passei da fase de acreditar neles, assim como os de contos de fadas, deixo para os mais novos. De volta ao salão principal. Confiro se o livro escondido ainda está por ali, encontro. Alívio. Já um pouco atordoado, penso duas vezes em levar o “KAMA SUTRA”, o livro que os mais esclarecidos afirmam, ser importante pra uma noite de inspiração ou solidão. Penso, mas decido que não, não hoje, hoje saí confiante, hoje saí pra encontraaaaaaaaaaaar (Dou uma olhada em volta)... Achei... Uma edição marroquina. Acho exótico, convido pra sair da prateleira e sentar na poltrona comigo... Vejo o designer da frente, dou uma conferida atrás, e parto pra orelha... Começa bem, um pouco confuso, talvez, mas pode ser um problema da tradução. Gostei. Mesmo assim dou uma repensada. Como estou exigente. Mas é que é uma outra cultura. Sabe como é? E se eu gostar do autor, e ele nunca mais for publicado no Brasil? Peço desculpas, devolvo sem amassa-lo à prateleira, mas com o compromisso de recomenda-lo a um amigo que se interesse pelo tema. Desisto, pergunto onde é o banheiro, e decido ir embora, mas ao chegar a porta me recordo do pequeno livro escondido, solitário, frágil, e até barato, mas completamente disponível para ser lido, que espera ansioso por um bom leitor, acho sacanagem deixar esperando, volto a sessão, e procuro um lugar para posiciona-lo estrategicamente para que alguém possa se interessar por ele. Acredito que ele merece. A curiosidade é tanta que como quem faz uma pergunta abro para ler uma página, e ele como quem me responde se deixa ser lido: “Não me apareça tarde, pois a noite foi feita para dormir”. TENHO CERTEZA, agarro, ainda que envergonhado. Na fila do caixa, encontro às revistas de fofocas, e os best-sellers Hollywoodianos. Abraço o livro mais forte me desculpando por quase te-lo desprezado, com a segurança de ter encontrado na simplicidade a poesia que me fazia falta.


Chego em casa. Arrumo a sala, acendo o abajur, coloco Billie Holliday no aparelho de som (nessas horas o ideal seria uma vitrola), e começo a desnuda-lo, primeiro dou uma lida no histórico de vida, gosto de saber as referencias, logo depois parto para o prefácio, é importante (mas nem sempre) saber o que os outros falam dele. Leio o primeiro capítulo, são tantas informações e personagens em sua história, que às vezes releio duas vezes o mesmo parágrafo. Paro. Gosto de ir lendo aos poucos. Existe quem goste de ler o livro em uma sentada para depois já abandona-lo na estante enquanto procura outro, quanto a mim, prefiro um relacionamento mais duradouro, nem que signifique ficar ansioso pelo próximo capítulo. E assim começa a leitura que parece não ter fim, às vezes madrugadas incansáveis, noites de insônia, mas em dias de muita agitação basta ler duas frases que já caio no sono. Começo a não precisar mais parar a leitura e fazer um esforço para lembrar sobre aquele personagem que já havia sido citado, às vezes um personagem novo entra na trama, um personagem do trabalho, ou mesmo da família, simpatizo com alguns, outros aturo por estar gostando tanto do livro, mas nunca deixo transparecer. Durante um tempo leio todos os dias, depois com o ritmo intenso da vida passo a procura-lo nos finais de semana, sempre tomando cuidado pra não me perder na narrativa, se for necessário volto umas páginas pra retomar o rumo. Se alguma coisa está me chateando, um sorriso aparece logo quando me lembro que ele me espera em casa. O Cd da Billie Holliday começa a atrapalhar, preciso ficar em silêncio para ouvir a respiração das frases, e não me incomodo com os desabafos escritos, mesmo que isso torne chata aquela passagem, pois acredito na revira volta. Delicio-me com os ápices, e me revolto com as quebras da dinâmica. De vez em quando passo em frente à livraria e me excito com os novos títulos da vitrine, mas permaneço fiel, dessa vez quero ir até o fim. A proximidade já é grande, quantas vezes não estive com ele na intimidade fria do banheiro, mas sempre mantendo o respeito, não deixo molhar, e nunca esqueci no revisteiro. Agora percebo que as páginas estão acabando, evito tentar antecipar o final, faço um esforço pra não contar as páginas que faltam, deixo acontecer. A tristeza salta em meu peito, quando percebo que o livro já está cheio de minhas marcas, impregnado de meu cheiro, a capa preta que antes era brilhante, agora está opaca, repleta de minhas impressões digitais. Os meus amigos já começam a me perguntar se pretendo um dia repassa-lo. No final com a simplicidade de um sábio, retiro o marcador e junto a capa com a contracapa, percebo que suas páginas já não estão tão grossas e brancas, mas ainda se parece com o livro que um dia em conheci. Arrumo seu lugar na estante, junto àqueles outros que escolhi para minha biblioteca, só os mais importantes, os que não foram parar em um sebo empoeirado. Às vezes à noite, ainda retiro ele para relembrar as frases que eu grifei. Procuro nele alguma frase de impacto que me martela a cabeça, não encontro, já nem sei mais o que dele ficou escrito em mim. E sua história como em uma delicada relação vai perdendo as formas, se transformando em palavras, puras, plenas, repletas de significados, palavras isolada, palavras de um bom amigo...

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