foto de Alessandra Haro

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

DIA de FOLGA

Eles partem juntos, partem apressadamente, estão atrasados como sempre. O primeiro vai correndo na frente e pela beirada da rua “– A calçada anda cheia demais de pedestres e pombos”. O sapato preto de solado amadeirado pisa acascalhando o cimento granulado. PLÉC, o som agudo sai do sapato apertado. Das laterais do sapato, empurrada pela solas das meias sociais e escorregadias, a fumaça do talco verte como um chafariz, contornando o couro do calçado. PLÉC, o ruído agudo do outro sapato alguns milésimos de segundos depois. Os pés sobrevoando a rua. Na mão, a pasta. Na pasta o vazio deixado pelo relatório de finanças esquecido na impressora, que alías estava sem tinta. BUZINAS... Atrás, correndo desesperadamente, sua sombra, que tenta alcançá-lo a qualquer preço. Às vezes sumindo e ressurgindo em uma virada de esquina, no áspero muro bege da Santa Casa. Ela sempre atrás, e se fosse possível esticaria as mãos para segurá-lo no colarinho, enforcando-o: Um suplício para que se acalme! Arrastada! Por vezes tropeçando em calçadas rebaixadas, ou sendo acertada em cheio no estômago por um buraco na parede. Como se amarassem cruelmente seus pés ao escapamento de um carro em alta velocidade. Na porta do escritório ela arfando enquanto ele seca com a manga do paletó as gotas de suor que escorrem por suas entradas de cabelo que em breve encontrarão uma saída, conferindo discretamente o desodorante. Todo o resto do dia acontece junto a uma chamada de atenção pela falta do relatório que ele jura ter imprimido na noite anterior, mas que no fundo não tinha certeza. À noite exaustos, voltam juntos cambaleando pela calçada, a sombra descansando nos intervalos da falta de iluminação pública do bairro distante em que ele morava. Em casa o relatório de finanças cuspido pela impressora “- Não estava louco. Ainda!!!”. Cai acolchoadamente no colchão duro e velho que tinha desde o tempo da faculdade, há dez anos. Logo após fechar os olhos, abre os olhos, e vê no relógio às seis e meia de mais um dia de trabalho que começa às seis e meia. ACORDA. Pega a cueca que lavou no banho e pendurou atrás da geladeira, ainda úmida, e coloca pra esquentar no micro-ondas junto ao copo de leite com café solúvel. Enquanto espera os dois minutos do cronômetro, lê rapidamente no jornal a notícia, de que a crise pegou uma nova gripe no maior evento de moda do país, enquanto no último capítulo da novela a cotação do dólar procura uma jovem de seios firmes. Re-Ensaca o jornal meticulosamente folheado e devolve ao respectivo dono do apartamento da frente, adorava, mesmo assim, ser honesto. Da cozinha ouve os três apitos do micro-ondas. Calça a cueca pelando em vapor, e toma o café com leite ainda um pouco morno, ao mesmo tempo em que veste a camisa, e faz o nó da gravata, e coloca a calça por cima da cueca pelando, e termina o pingado morno, e dá uma breve olhada ao redor da kitinete que lhe parece, ter a capacidade de se bagunçar sozinha. Respira… Sapatos. Talco. Meias. Procura a chave, acha a chave, abre a porta, e tranca a porta. Voa apressado pela escada, pensando em um jeito de desafiar o tempo e correr o suficiente para chegar ao trabalho há dez minutos atrás. ACORDA. Olha em volta e está sozinha, quase apagada pela luz do meio dia que entra queimando pela janela. Esquecida, espreguiça-se com todo o direito. Vai até o banheiro que é o único cômodo separado do restante da kitinet, e não o encontra. Sentindo uma coceira ardida por causa do desgrudamento, liga o chuveiro e se refresca com os pingos gelados de água que transpassam o seu contorno. Enquanto lava a cabeça faz planos para aquela quinta feira ensolarada. Cansada de viver as suas sombras, sem pressa, tiraria aquele dia para repensar a vida e tomar um café da tarde até sumir ao pôr do sol.

Nenhum comentário:

Postar um comentário