foto de Alessandra Haro

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

DE VOLTA PRA CASA

Em frente à pacata porta de madeira no interior do Brasil, eles se despedem. A mala dele, bem comprada em uma grande loja de departamentos, contrasta com o pano de prato surrado em fios desfiados, amarrado na cintura de sua mãe. Seu pai contém um choro impregnado na retina, que insiste em não deixar escorrer pelos cantos velhos e enrugados de sol, de seus olhos. Sua mãe o abraça como se fosse perdê-lo mais dia ou menos dia, na certeza de que, na verdade, ela é quem irá partir. A mala agora cuidadosamente armazenada para que não arranhe seus trincos de metal polido, na pick up velha e surrada de barro de seu pai. A mãe como todas as mães, pediu para que ele se cuidasse, para que não demorasse tanto para voltar da próxima vez. Ele reclamou da distância, dos preços das passagens, e disse que faria o possível para estar de volta no natal. Mesmo sabendo, ambos, que essa era uma mentira deslavada, a mãe deu-lhe um beijo na testa, um beijo demorado, cheio da paixão e da culpa que todas as mães sentem.


Na pick up enlameada, o silêncio entre eles era acalentado pela dupla sertaneja que se esgoelava na rádio. A música inspirava lábios amorosos, para que pronunciasse sem dor frases fraternas, mas eles sabiam que isso não era pra eles, que não foram criados assim, que dentro deles havia tanta dor e arrependimento, de que as surras de um não foram cicatrizadas, e as palavras de desprezo do outro não foram esquecidas. Mas que todos os abraços que já se abraçaram eram o suficiente para explodir da boca a palavra PAI sempre acompanhada dos dizeres MEU FILHO. E se amavam assim.

Na rodoviária velha da cidade, se abraçaram com volúpia, como duas peças de um brinquedo de montar, como se há anos tivessem treinado aquele abraço. Por fim se afastaram ambos, com a certeza de que nunca um “eu te amo” seria capaz de expressar a perfeita genética de seus encaixes. Aquele olhar marejado e brilhante de seu pai jamais sairia de seus pensamentos. O Pai pediu também para que não demorasse tanto para voltar da próxima vez: - “Ao menos pela sua mãe, que está tão doente”. Ele disse que faria o possível para estar de volta no natal. Mesmo sabendo, ambos, que essa era uma mentira deslavada, quiseram acreditar.

Na solidão de seus bancos de viagem, de volta para casa, deixaram transbordar aquela gota de lágrima cheia de saudade e angústia, que só quem amou e odiou intensamente sua família, seria capaz de deixar transbordar.

Na noite do dia seguinte, chegando em casa, exausto e morto da viagem de trinta horas, olhou para os prédios da capital, como um lobo olha fascinado pela lua, e ascendeu-se a vontade de ir para rua, era Sábado. A caixa de mensagens do celular abarrotada de convites e Vips, para onde quer que fosse. A mala depois de limpa começou a vomitar seus pertences para dentro de uma prateleira do armário quase intocada: Calças, blusas, sapatos, bermudas, e até uma botina comprada especialmente para a ocasião da viagem, em nada combinavam com as prateleiras vizinhas. De dentro do armário, contornou na cintura com algo que parecia um coldre de lantejoulas, vestiu a camiseta de gola V, e deixou deslizar pelas suas pernas sem pêlo, herança de sua mãe polaca, uma bermuda cavada, que indecentemente escapava uma lasca da polpa de sua bunda. Este era seu figurino para aquela noite quente de sábado. Foi até o espelho, armado das melhores maquiagens, para tentar livrar-se do que o mês de mato fez com a sua cara. No rosto uma barba rala que há muito tempo não crescia ali naquele solo infértil, envenenado de cosméticos. Achou-se parecido com seu pai... Resolveu deixar as costeletas.

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